


PAI CLEON DE OXALÁ


Aos 23 dias do mês de junho de 2012, é plantado sobre este Templo, mais um Axé da África no Brasil.
De formato retangular, erguido com tijolos e revestido com pedra trabalhada em alto-relevo, o monumento porta na sua superfície uma placa de mármore branca, contendo uma porção de terra de Cabinda e ao lado os seguintes dizeres:
O Reino de Oxalá em homenagem a Pai Valdemar de Xangô Kamuká, que trouxe a nação de Cabinda para o Brasil e à Mae Palmira de Oxum, que preservou e transmitiu os cultos desta Nação, ergue o “Monumento Nação Cabinda"
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PAI CLEON DE OXALÁ - Nasceu num lar afro-religioso e se considerava “religioso”, isto é, pertencia à religião de matriz africana, desde o nascimento”. Afirmou que ao completar doze anos de idade já havia recebido todos os seus orixás.
Pai Cleon de Oxalá foi um sacerdote da Umbanda e do Batuque Afro Gaúcho, com uma longa e dedicada vida à religião afro-brasileira, desde 1952. Ele fundou e liderou o Reino de Oxalá em Porto Alegre, que comemorou 62 anos de existência sob seu comando. Sua vida religiosa e espiritual foi marcada pela discrição e pela profunda ligação com as tradições da Umbanda e do Batuque.
Sua vida religiosa foi marcada por uma profunda conexão com as tradições da Umbanda e do Batuque Afro Gaúcho, ele era conhecido por sua discrição e por conduzir os rituais de seu terreiro com respeito e sabedoria.
O Reino de Oxalá, sob a liderança de Pai Cleon, foi abençoado pelos ancestrais da Nação Cabinda, em muitas tradições afro-brasileiras, Oxalá é considerado a divindade suprema, o criador do mundo e o representante da paz e da harmonia.
Pai Cleon deixou um legado de dedicação à Umbanda e ao Batuque, inspirando muitos a seguir seus passos e o Reino de Oxalá, sob sua liderança, se tornou um importante centro de prática religiosa e espiritual na região.
A VIAGEM PARA CABINDA
Este artigo analisa a viagem do Pai-de-santo Cleon de Oxalá, de Porto Alegre, para a província africana de Cabinda, ocorrida em junho de 2012.
Era, para ele, a realização do sonho de conhecer a terra dos seus ancestrais religiosos e o cumprimento da missão de trazer para a sua “casa” uma porção de terra de Cabinda, para selar simbolicamente o vínculo entre os dois espaços sagrados.
Porém, a realização do sonho foi acompanhada do desencanto em relação à situação da religião “tradicional” cabinda em solo africano, o que conduziu Pai Cleon a concluir que a verdadeira religião dos seus antepassados não está mais na África, mas no Rio Grande do Sul.
Introdução
Este texto versa sobre um fato marcante na história das religiões de matriz africana do Rio Grande do Sul, também chamadas de religiões afro-gaúchas ou religiões afro riograndenses
Refere-se à viagem realizada entre os dias 8 e 22 de junho de 2012 para a província de Cabinda, na África, pelo mais importante representante da “nação” Cabinda no Rio Grande do Sul, João Cleon Melo Fonseca, conhecido como Pai Cleon de Oxalá, à época com 73 anos de idade.
O resgate desse evento agora, após alguns anos do seu acontecimento, justifica-se pelo fato de se tratar da primeira viagem de um pai-de-santo deste estado para a África, mais especificamente para Cabinda, e de não ter sido ela, até o presente momento, ao que consta, objeto de nenhum trabalho acadêmico .
Essa viagem, embora se insira dentro da temática da “reafricanização”, não seguiu a lógica comum do movimento de peregrinação à África, de “retorno às origens”, de “busca da pureza original”, que ocorre no meio afro-religioso de algumas regiões do Brasil, mas não somente daqui, desde os anos 1960, enquanto estratégia política de legitimação social e simbólica, como alguns autores têm mostrado (Prandi, 1991; Gonçalves da Silva, 1995; Capone, 1999; Frigerio, 2005).
A reafricanização, conforme Frigerio, é um processo sofrido por pessoas já praticantes do candomblé, do batuque ou da santeria (…) que, insatisfeitas com o conhecimento religioso que receberam, viram-se para a África de hoje, especialmente para a região dos iorubá, como fonte verdadeira de conhecimento teológico e ritual.
Por meio desse processo, a África vem a ser vista não só como a origem remota da tradição religiosa mas também como modelo contemporâneo para sua prática ( Frigerio, 2005: 141).
A viagem transatlântica do pai-de-santo de Porto Alegre obedeceu a uma outra lógica. Ela consistiu, segundo o seu próprio dizer, como veremos, na realização de um sonho pessoal e no cumprimento de uma missão sacerdotal.
O sonho era conhecer pessoalmente o território dos seus ancestrais religiosos; a missão era trazer para a sua “casa”, em Porto Alegre, uma porção de terra de Cabinda para selar simbolicamente a relação fundamental entre os dois territórios sagrados, Cabinda e sua casa religiosa.
A análise comparativa efetuada pelo pai-de-santo entre o que observou em Cabinda e o que vigora no Rio Grande do Sul, no que tange sobretudo ao campo religioso, constitui o foco principal desse texto
Iniciemos, porém, pela apresentação do protagonista, o Pai Cleon de Oxalá.
O personagem João Cleon Melo Fonseca nasceu em 1939 e se considera herdeiro de uma das mais prestigiadas “nações” do Batuque, a Cabinda. Afirma ter sido iniciado nesta religião pela Mãe Palmira Torres dos Santos, de Oxum, falecida em 1968, a qual, por sua vez, foi iniciada por Valdemar Antônio dos Santos, Valdemar de Xangô Camucá, considerado, segundo Pai Cleon, “o rei da nação Cabinda no estado do Rio Grande do Sul”.
Este último era africano de Cabinda, tendo chegado inicialmente na cidade de Rio Grande, dali a Pelotas e, posteriormente, a Porto Alegre, onde faleceu em 1930.
Cleon de Oxalá nasceu num lar afro-religioso e se considera “religioso”, isto é, pertencente à religião de matriz africana, desde o nascimento”. Afirma que ao completar doze anos de idade já havia recebido todos os seus orixás.
Em 1959, com vinte anos de idade, abriu a sua própria casa de religião, chamada Reino de Oxalá.
Informa que recebeu de sua mãe-de-santo uma boa formação religiosa. Por isso, ao longo dos anos sempre atuou como sacerdote afro-religioso, sendo procurado e consultado por pessoas de diferentes camadas sociais e grupos étnicos. Entre as décadas de 1980 e 2000 atuou fortemente para a expansão das religiões afro-riograndenses para a Argentina e o Uruguai ( Pi Hugarte, 1997; Oro, 1999; Frigerio, 2001).
De fato, como se pode ler no próprio site do Reino de Oxalá, a atividade religiosa de Pai Cleon não está restrita somente ao Rio Grande do Sul, mas aos Estados de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Fortaleza e Alagoas. No exterior tem Filhos na Argentina, Chile, Estados Unidos - Nova York e Texas, Canadá, Roma, Espanha e no Japão. Em todos esses locais, seus Filhos de Santo possuem Templos religiosos sob sua orientação espiritual.
Ao longo dos anos, Pai Cleon afirmou-se como uma referência afro-religiosa no Rio Grande do Sul.
Adquiriu notoriedade sendo, segundo as suas próprias palavras, “muito respeitado perante a sociedade. As autoridades todas me respeitam muito”. Pai Cleon comparecia seguidamente na mídia como representante desse segmento religioso e realiza um importante trabalho assistencial, sobretudo com crianças e desabrigados.
Afirmava ele: - atendo o povo, atendo aquelas pessoas que têm dinheiro e mais aquelas que não têm dinheiro. Gosto muito de ajudar as pessoas. Além de ser filho de Oxalá, sou capricorniano e capricorniano gosta muito de ajudar as pessoas. Então eu ajudo muito as pessoas naquilo que eu posso, na parte espiritual e, de uma forma ou de outra, sempre procuro ajudar e dar atenção às pessoas.
Em razão do conjunto de práticas assistenciais realizadas ao longo de décadas, somadas ao prestígio adquirido não somente na comunidade afro-religiosa, mas, também, na sociedade gaúcha mais amplamente, no dia 30 de agosto de 1997 Pai Cleon de Oxalá recebeu das mãos do então governador do estado do Rio Grande do Sul, Antônio Britto, a Comenda Negrinho do Pastoreio, a mais alta distinção outorgada pelo governo estadual a um cidadão.
Pai Cleon informa que desde muito jovem alimentou o sonho de visitar a África, mais especificamente a terra dos seus antepassados religiosos, em Cabinda. Era “um sonho, uma ideia”, segundo as suas palavras
A partida para Cabinda: concretizando um sonho e cumprindo uma missão
A viagem de Pai Cleon se revestia de diferentes razões. Consistia, reitero, na realização de um desejo pessoal de não somente ir à África, mas de conhecer a região de Cabinda, posto que a sua ascendência religiosa está vinculada a este território e a esta “nação” religiosa. Mas, especialmente, a viagem possuía uma razão simbólica, qual seja, a de “buscar um pouco de terra de Cabinda para fazer um monumento no Reino de Oxalá, com uma ligação direta da África ao Reino de Oxalá”.
Em outras palavras, a razão da viagem do pai-de-santo gaúcho para Cabinda não consistia simplesmente em conhecer Cabinda, como também não visava resgatar a “pureza” religiosa, ou aprimorar o seu conhecimento religioso, como tem se observado em viagens semelhantes realizadas à África por outros agentes afro-religiosos ( Frigerio, 2005). Tratava-se, fundamentalmente, de cumprir uma missão, para selar simbolicamente o vínculo da sua casa com as origens africanas. Segundo as suas palavras: “o que me interessava era isso: era ir a Cabinda buscar um pouco de terra e plantar. Essa era a minha missão. Eu queria trazer a terra”.
Obviamente que ainda no Brasil o pai-de-santo se questionou se poderia trazer terra consigo, mesmo em quantidade reduzida. Indagava-se se não seria barrado pelas autoridades alfandegárias. Para estar mais seguro, resolveu vestir durante a viagem roupa branca - uma entre as indumentárias dos sacerdotes afro-religiosos - e carregar consigo um pano branco de tecido contendo o axé do Bará (milho, pipoca, batata), envolto em duas “imperiais”, ou seja, correntes de contas e búzios. A terra de Cabinda seria inserida nesse pano e caso alguém lhe perguntasse do que se tratava diria ser “uma segurança minha, que uso quando eu viajo”.
A obtenção do visto para Angola foi uma grande dificuldade enfrentada. Eram várias as exigências: provar ser proprietário de imóvel, possuir uma boa conta bancária, além de cartões de crédito com valores expressivos. Além disso, o consulado de Angola se localiza em São Paulo, local para onde o pai-de-santo teve que se dirigir por duas vezes.
No consulado a entrevista foi minuciosa, sendo indagado sobre as razões da viagem. Informou que se tratava de uma viagem de férias para Luanda. “Nós, em momento nenhum pronunciamos que queríamos ir para Cabinda”. O pai-de-santo usa o plural porque viajou para Angola com Eduardo Lopes, o pai Eduardo de Xapanã, seu amigo, secretário particular e, como afirma, “hoje tido como herdeiro do Reino de Oxalá”.
Falaram em fazer turismo porque, segundo esclarece, imaginavam que poderiam encontrar dificuldades na obtenção do visto, caso mencionassem o interesse de ir a Cabinda e, especialmente, por motivos religiosos. A ideia era uma vez estando em Luanda se deslocarem para Cabinda.
Partiram de Porto Alegre no dia 8 de junho de 2012, com destino a São Paulo, dali para Lisboa e depois para Luanda, em Angola.
Confessa Pai Cleon que a chegada em Luanda ocorreu na madrugada e foi bastante impactante pela precariedade encontrada, tanto no aeroporto quanto na própria cidade. Veio-lhe inclusive na mente, segundo afirma, o desejo de retornar. “Meu Deus, me apavorei. Nós vamos embora. O aeroporto era precário. A situação era precária”.
Após alguns dias em Luanda a dupla partiu, num avião pequeno, de hélice, para Cabinda, num voo de uma hora e vinte minutos 16. Informa o pai-de-santo que ficou ainda mais surpreso com a pobreza encontrada em Cabinda.
“Horrível! Deus me livre! Só via as pessoas dizendo: tenho fome. Muita pobreza, muito, muito pobre”. De fato, se, por um lado, como refere a historiadora Pereira Ramos (2005), o território de Cabinda é muito rico - pois, no seu subsolo, além do petróleo se encontram vários metais, a terra pode ser cultivada e o litoral e os rios são ricos em peixes - por outro lado, “as populações cabindenses vivem de extrema pobreza irremediável”.
Por isso mesmo, pergunta-se a historiadora:
Como se pode compreender que Cabinda não tenha um porto, um aeroporto, sem estradas mesmo no centro da cidade, sem água potável, sem petróleo de iluminação e gás butano, sem combustível, sendo um produtor de mais de 75% de produção diária de "crude" praticado em Angola?
A autora prossegue afirmando que “as populações de Cabinda são vítimas de toda a poluição de exploração de petróleo e não beneficiam nada do petróleo”. Para ela, a raiz do problema radica na dependência de Cabinda ao governo de Luanda, “com absoluto desprezo pela vontade das suas populações”, de Cabinda. A solução seria, prossegue, a independência de Cabinda para deixar de engordar as contas bancárias da elite e do governo angolanos.
Tem razão, portanto, Pai Cleon em se dizer chocado com o que encontrou em Cabinda. Por isso mesmo, segundo ele, os dias passados em Cabinda foram muito difíceis. A comida era escassa e de baixa qualidade; encontraram resistências para fotografar locais, monumentos e pessoas; tiveram dificuldade em encontrar um sacerdote da religião “tradicional" e ao deixarem a cidade foram minuciosamente revistados.
Ou seja, na versão do pai-de-santo, “foi muito assustador, na verdade, assustou. Assustou bastante. Tudo é proibido lá. Achei estranho”.
Mas, o que mais surpreendeu o pai de santo gaúcho em terra Cabinda foi a invisibilidade, e mesmo a ausência, da religião “tradicional”. Foi informado que a polícia tem permissão para prender as pessoas que encontrar participando de cultos “tradicionais”. Por isso mesmo, esses cultos somente podem ocorrer às escondidas, conduzidos, em toda a região, “por uma meia dúzia de velhos”, segundo ouviu dizer, cujo acesso a eles é bastante difícil. Ele somente ocorre através de um agenciador, bem pago. “Tem que pagar para chegar e até para conversar com o pai de santo. Foi o que nós fizemos”.
De fato, foi por meio de um funcionário de um hotel que Pai Cleon e Eduardo chegaram até uma casa religiosa, localizada num vilarejo próximo da cidade de Cabinda. Isto ocorreu após uma negociação financeira. Dispenderam 300 dólares norte-americanos. “Nós pagamos para a pessoa que nos levou até lá. Mas claro que ele (o pai-de-santo local) deve ter ganho alguma coisa. É uma máfia”, disse Pai Cleon.
A casa era bastante simples. Pai Cleon conversou por cerca de 20 minutos com o sacerdote local. Foi uma conversa com tempo previamente estipulado. Diz Pai Cleon: “Eu conversei com ele sobre o que nós fazíamos aqui. E ele disse o que fazia lá. Porque não pode fazer mais”. Ou seja, não podem realizar rituais públicos. “Só podem cultuar o Orixá da forma deles lá, muito restrito, muito fechado”.
Além disso, Pai Cleon informa que durante a conversa que mantiveram notou o sacerdote local bastante ansioso, apreensivo e temeroso, porque, afirma: “a polícia batia toda hora. Eles são muito vigiados. A polícia estava ali toda hora. Exploram eles.”
Após a conversa mantida com o sacerdote local e tendo dele recebido a anuência, Pai Cleon retirou uma porção de terra do assentamento de Exu, localizado junto à casa do sacerdote. Este ato foi dotado de intensa simbologia, pois representou o coroamento da viagem do sacerdote gaúcho, uma vez que ele estava alcançando o seu principal objetivo da viagem para Cabinda: coletar a terra sagrada dos seus ancestrais.
O retorno a Porto Alegre
O retorno do pai-de-santo para Porto Alegre ocorreu no dia 22 de junho de 2012. Apesar dos receios e medos supostos, não encontrou nenhum obstáculo nas alfândegas dos países pelos quais passou (Angola, Portugal, Brasil) e, assim, conseguiu trazer para casa uma porção de terra de Cabinda.
Pai Cleon e seu acompanhante foram recebidos no aeroporto de Porto Alegre por uma comitiva formada majoritariamente por seus filhos e filhas, netos e netas-de-santo. Em caravana se dirigiram para o Reino de Oxalá. No dia seguinte, ocorreu a grande solenidade, a inauguração do “Monumento Africano”, ou “Monumento Nação Cabinda”, situado na entrada do Reino de Oxalá.
“Nada detém o crescimento se a raiz é forte”
Pai Cleon de Oxalá
Hoje em dia (2025) quem comanda o Reino de Oxalá é.......
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Ramificação da sua Bacia:
PAI LUIZ CARLOS DE OXUM
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Estamos com o Museu Afrobrasileiro colocando mais uma ferramenta na mão de todas as Bacias do Estado e Brasil
Beto de Ogum - Diretor